Saudações, leitores!
Faz algum tempo que não publico nada devido à correria do dia-a-dia, mas hoje, depois de uma semana muito corrida, decidi dar folga a mim mesmo e comecei a leitura de um livro de Tom Burrell chamado "Brainwashed" (adjetivo usado para designar sujeito que sofreu lavagem cerebral). Infelizmente, o livro não possui versão traduzida. Ainda não posso dizer se o livro, no geral, é bom, pois só comecei a lê-lo há alguns minutos, mas já havia ouvido falar muito dele e estava ansioso para o ler. Portanto, gostaria de trazer uns trechos da introdução que já achei bastante interessantes.
Os seguintes trechos foram uma tradução pessoal do texto original (grifos meus).
"Somos fortes. Sobreviventes da Middle Passage, do chicote e das correntes. Sobrevivemos séculos de terror, humilhação, vilificação e privação.
Somos espertos. Mesmo quando nossa alfabetização era ilegal, aprendemos rápido, inventamos, descobrimos, construímos, ensinamos e sobressaímos contra todas as probabilidades.
Somos criativos. Criando um caminho onde não havia saída e constantemente gerando e regerando a arte e cultura americanas.
Então, por que, depois de todo este tempo, quando calculando a conquista do 'Sonho Americano', somos ranqueados no final de quase todas as 'boas' listas e no topo das listas 'ruins'? Por que, apesar de nossa aparente força, inteligência e desenvoltura, continuamos a ficar para trás e definhar em tantos aspectos da vida americana? [...]
45 anos na indústria publicitária me deram visão pessoal e profissional ao poder da propaganda - positivo e negativo - e o uso de palavras e imagens para influenciar, mudar e até transformar as vidas das pessoas [...].
Todas as agências publicitárias empregam a criatividade - escrita, artes, fotografia e música - para capturar a tão dividida atenção do público. Contudo, a parte mais importante do que fazemos é estudar as pessoas: por que fazem o que fazem e por que compram o que compram. Mas, sendo um homem negro, fui compelido a compreender o modo como os negros são vistos neste país e como muitos de nós inconscientemente enxergamos a nós mesmos [...].
A pesquisa da Burrell Communications dos anos 1970 e 1980 mostrou que afro-americanos tem distintas necessidades, desejos, medos, esperanças e aspirações psicossociais, todas nascidas das circunstâncias que surgiram da nossa experiência como escravos na América.
Descobrimos, por exemplo, que:
• A preferência negra por marcas de status de alta qualidade era impulsionada pela necessidade de compensar por sentimentos de baixa auto-estima
• Nossa tendência a uma assimetria na razão gastos/poupança nascia de uma necessidade por gratificação imediata, baseada num pessimismo arrepiante sobre um futuro incerto.
• Nós 'sobrearmazenávamos', gastando quantidades desproporcionais em toda categoria de produto relacionado à higiene (de duchas femininas a sabão em pó perfumado a desodorantes de carro e desinfetantes domésticos), primariamente para compensar por sermos historicamente estereotipados como sujos [...].
Como um profissional de marketing que respeita e admira a propaganda quando brilhantemente concebida e habilmente executada, finalmente reconheci que uma das maiores campanhas de propaganda de todos os tempos foi a comercialização magistral do mito da inferioridade negra para justificar a escravidão dentro de uma democracia [...].
Pense nisso: a América tinha lutado com o dilema moral da escravidão desde que os primeiros africanos desembarcaram em Jamestown em 1619 . Os Fundadores encontraram-se em um grave encruzilhada moral. Eles precisavam desesperadamente de uma maneira de justificar a escancarada divisão entre sua retórica temente a Deus e amante da liberdade e a crescente dependência nacional do trabalho escravo barato.
A solução: uma campanha de marketing eficaz, criada não só para encaixar a instituição da escravidão numa democracia nascente, mas destina-se a convencer tanto o senhor quanto o escravo que os negros sempre foram e sempre seria mentalmente, fisicamente, espiritualmente e culturalmente inferiores [...].
É como se as elites coloniais originais houvessem contratado uma agência de relações públicas para vender o conceito de que africanos eram intrinsecamente inferiores e que era realmente completamente justificável tratá-los como bestas sub-humanas [...].
Ainda hoje, temos contramedidas infelizmente inadequadas - nenhum mecanismo cultural permanente para desfazer o que uma campanha publicitária de 400 anos conseguiu.
A nossa insistência de que nos libertamos da propaganda negativa é um pensamento fantasioso. É necessário muito mais do que grandes afros, punhos cerrados, e slogans dançantes para combater os séculos de exposição constante às imagens distorcidas e mensagens desumanizantes [...].
Enquanto eu estava escrevendo este livro, algo aconteceu que alguns de nós, em nossos sonhos mais loucos, jamais teríamos imaginados. Um homem negro se tornou presidente dos Estados Unidos da América. Alguns podem olhar para isso e dizer: 'Veja, os negros americanos venceram! Como Dr. King previu, nós, como um povo "chegamos à Terra Prometida"'.
Nos dias atuais, a imagem é poder. Nunca antes o país tivera a imagem de um homem negro ocupar o mais alto cargo na terra, fornecer o discurso do Estado da União, elaborar e promover uma política nacional, ou desembarcar do Air Force One com sua esposa e filhas negras. A partir de uma perspectiva de marketing, isto é algo poderoso e transformador.
No entanto, qualquer um que olha para além do brilho do momento vai entender que nem nós, nem a nossa situação, mudaremos do dia para a noite. Alguns de nós sempre conseguiram êxito, de alguma forma , apesar do fracasso do nosso sonho americano. Barack Obama, por meio de inteligência, vontade, auto-determinação, e, sim, uma não pequena confluência de circunstâncias favoráveis, pôde chegar à sua Terra Prometida, mas a maioria dos americanos negros ainda estão vagando no deserto.
A campanha da inferioridade negra / superioridade branca se transformou exponencialmente na Nova Era da mídia [...]
Eu experimentei a falta de auto-estima baseada na raça em primeira mão. Eu sei que não foi baseada exclusivamente na baixa renda ou na educação deficiente. Versátil como eu fora, aquela sensação de falta estava bem ali, subindo cada degrau da escada do sucesso do meu lado. Com o tempo, aprendi que a raiz do problema não era o que estava sendo feito a mim - e sim o que eu havia sido manipulado a sentir sobre mim mesmo."
P.S.: O título do post advém da música "Redemption Song" de Bob Marley, qual é tanto um lamento quanto um chamado à mudança.
Faz algum tempo que não publico nada devido à correria do dia-a-dia, mas hoje, depois de uma semana muito corrida, decidi dar folga a mim mesmo e comecei a leitura de um livro de Tom Burrell chamado "Brainwashed" (adjetivo usado para designar sujeito que sofreu lavagem cerebral). Infelizmente, o livro não possui versão traduzida. Ainda não posso dizer se o livro, no geral, é bom, pois só comecei a lê-lo há alguns minutos, mas já havia ouvido falar muito dele e estava ansioso para o ler. Portanto, gostaria de trazer uns trechos da introdução que já achei bastante interessantes.
Os seguintes trechos foram uma tradução pessoal do texto original (grifos meus).
"Somos fortes. Sobreviventes da Middle Passage, do chicote e das correntes. Sobrevivemos séculos de terror, humilhação, vilificação e privação.
Somos espertos. Mesmo quando nossa alfabetização era ilegal, aprendemos rápido, inventamos, descobrimos, construímos, ensinamos e sobressaímos contra todas as probabilidades.
Somos criativos. Criando um caminho onde não havia saída e constantemente gerando e regerando a arte e cultura americanas.
Então, por que, depois de todo este tempo, quando calculando a conquista do 'Sonho Americano', somos ranqueados no final de quase todas as 'boas' listas e no topo das listas 'ruins'? Por que, apesar de nossa aparente força, inteligência e desenvoltura, continuamos a ficar para trás e definhar em tantos aspectos da vida americana? [...]
45 anos na indústria publicitária me deram visão pessoal e profissional ao poder da propaganda - positivo e negativo - e o uso de palavras e imagens para influenciar, mudar e até transformar as vidas das pessoas [...].
Todas as agências publicitárias empregam a criatividade - escrita, artes, fotografia e música - para capturar a tão dividida atenção do público. Contudo, a parte mais importante do que fazemos é estudar as pessoas: por que fazem o que fazem e por que compram o que compram. Mas, sendo um homem negro, fui compelido a compreender o modo como os negros são vistos neste país e como muitos de nós inconscientemente enxergamos a nós mesmos [...].
A pesquisa da Burrell Communications dos anos 1970 e 1980 mostrou que afro-americanos tem distintas necessidades, desejos, medos, esperanças e aspirações psicossociais, todas nascidas das circunstâncias que surgiram da nossa experiência como escravos na América.
Descobrimos, por exemplo, que:
• A preferência negra por marcas de status de alta qualidade era impulsionada pela necessidade de compensar por sentimentos de baixa auto-estima
• Nossa tendência a uma assimetria na razão gastos/poupança nascia de uma necessidade por gratificação imediata, baseada num pessimismo arrepiante sobre um futuro incerto.
• Nós 'sobrearmazenávamos', gastando quantidades desproporcionais em toda categoria de produto relacionado à higiene (de duchas femininas a sabão em pó perfumado a desodorantes de carro e desinfetantes domésticos), primariamente para compensar por sermos historicamente estereotipados como sujos [...].
Como um profissional de marketing que respeita e admira a propaganda quando brilhantemente concebida e habilmente executada, finalmente reconheci que uma das maiores campanhas de propaganda de todos os tempos foi a comercialização magistral do mito da inferioridade negra para justificar a escravidão dentro de uma democracia [...].
Pense nisso: a América tinha lutado com o dilema moral da escravidão desde que os primeiros africanos desembarcaram em Jamestown em 1619 . Os Fundadores encontraram-se em um grave encruzilhada moral. Eles precisavam desesperadamente de uma maneira de justificar a escancarada divisão entre sua retórica temente a Deus e amante da liberdade e a crescente dependência nacional do trabalho escravo barato.
A solução: uma campanha de marketing eficaz, criada não só para encaixar a instituição da escravidão numa democracia nascente, mas destina-se a convencer tanto o senhor quanto o escravo que os negros sempre foram e sempre seria mentalmente, fisicamente, espiritualmente e culturalmente inferiores [...].
É como se as elites coloniais originais houvessem contratado uma agência de relações públicas para vender o conceito de que africanos eram intrinsecamente inferiores e que era realmente completamente justificável tratá-los como bestas sub-humanas [...].
Ainda hoje, temos contramedidas infelizmente inadequadas - nenhum mecanismo cultural permanente para desfazer o que uma campanha publicitária de 400 anos conseguiu.
A nossa insistência de que nos libertamos da propaganda negativa é um pensamento fantasioso. É necessário muito mais do que grandes afros, punhos cerrados, e slogans dançantes para combater os séculos de exposição constante às imagens distorcidas e mensagens desumanizantes [...].
Enquanto eu estava escrevendo este livro, algo aconteceu que alguns de nós, em nossos sonhos mais loucos, jamais teríamos imaginados. Um homem negro se tornou presidente dos Estados Unidos da América. Alguns podem olhar para isso e dizer: 'Veja, os negros americanos venceram! Como Dr. King previu, nós, como um povo "chegamos à Terra Prometida"'.
Nos dias atuais, a imagem é poder. Nunca antes o país tivera a imagem de um homem negro ocupar o mais alto cargo na terra, fornecer o discurso do Estado da União, elaborar e promover uma política nacional, ou desembarcar do Air Force One com sua esposa e filhas negras. A partir de uma perspectiva de marketing, isto é algo poderoso e transformador.
No entanto, qualquer um que olha para além do brilho do momento vai entender que nem nós, nem a nossa situação, mudaremos do dia para a noite. Alguns de nós sempre conseguiram êxito, de alguma forma , apesar do fracasso do nosso sonho americano. Barack Obama, por meio de inteligência, vontade, auto-determinação, e, sim, uma não pequena confluência de circunstâncias favoráveis, pôde chegar à sua Terra Prometida, mas a maioria dos americanos negros ainda estão vagando no deserto.
A campanha da inferioridade negra / superioridade branca se transformou exponencialmente na Nova Era da mídia [...]
Eu experimentei a falta de auto-estima baseada na raça em primeira mão. Eu sei que não foi baseada exclusivamente na baixa renda ou na educação deficiente. Versátil como eu fora, aquela sensação de falta estava bem ali, subindo cada degrau da escada do sucesso do meu lado. Com o tempo, aprendi que a raiz do problema não era o que estava sendo feito a mim - e sim o que eu havia sido manipulado a sentir sobre mim mesmo."
P.S.: O título do post advém da música "Redemption Song" de Bob Marley, qual é tanto um lamento quanto um chamado à mudança.