Pouco tempo atrás, se alguém me perguntasse se já sofri racismo, diria que não. Achava que o racismo só acontecia se alguém me xingasse ou me agredisse de alguma forma explícita. As raras pessoas que exibissem este tipo de comportamento eram as racistas. Como isso nunca me ocorreu na vida real (na internet, sim), achava que vivíamos numa utopia racial. Talvez nos EUA, houvesse real racismo, mas não no Brasil. Quanta ingenuidade!
Tudo isso mudou quando compreendi o que o racismo realmente é.
"A praga do racismo é insidiosa, entrando em nossas mentes tão suave, quieta e invisivelmente como micróbios aéreos entram em nossos corpos" —Maya Angelou.
A guerra contínua contra os povos de cor tem sido travada principalmente no campo psicológico. De fato, em uma palestra, a psiquiatra Dra. Francis Cres Welsing disse que todos os pacientes negros que ela já tratou tinham alguma problema relacionado ao racismo. Imagens negativas criam percepções distorcidas na mente das pessoas e isto se reflete em atitudes sutis, mas com sérias implicações.
"Informações erradas sempre mostradas pela mídia, infectando as mentes jovens mais rápido que as bactérias" - Where Is The Love, The Black Eyed Peas.
Imagem: "Todos merecem ser tratados igualitariamente! Não importa se você é negro, amarelo, pardo ou normal!"
Em Brainwashed, Tom Burrell diz: "A imagem positiva branca e a negativa negra afetaram toda a nossa juventude. Quando criança, lembro de chegar em casa após assistir filmes com estrelas como Cary Grant, Clark Gable, Roy Rogers e Johnny 'Tarzan' Weissmuller. Eu ficava em frente ao espelho e tentava várias formas de 'esconder' meus lábios, na esperança de simular a aparência dos meus heróis". Contextualizando historicamente, o autor afirma: "Os negros, convencidos de que éramos realmente grotescos, logo assumiram controle do nosso próprio denegrimento... Por séculos, o estigma associado com a pele muito escura, narizes muito largos e cabelo muito crespo prejudicaram a autoestima negra e a habilidade de criar filhos negros que não se considerassem negros e feios... Quando as barreiras raciais mais formais e legais caíram, estilos de cabelo dados por Deus foram considerados 'não profissionais' o suficiente. Qualquer coisa remotamente próxima ao 'natural' - afros, tranças, dreads - que ofendiam aos brancos no local de trabalho se tornou tabu".
Sobre as imagens negativas na mídia, Burrell diz: "A preponderância dessas imagens e mensagens envia um claro sinal aos negros, especialmente às crianças negras, de que não somos belos o suficiente, não somos bons o suficiente... Quanto mais longes do padrão europeu, mais baixo nos encontramos na escala da beleza".
O racismo atual é largamente um fenômeno implícito. Por isso, eu achava que ele não existia - pois não podia vê-lo, e exemplos visíveis estavam - eu acreditava - fora da minha realidade. As pessoas - de qualquer cor - expostas a essas imagens, desenvolvem preconceitos. Vemos isto claramente com as crianças mais jovens: como ainda não foram constrangidas a inibir suas opiniões racistas, elas as expressam abertamente. À medida em que crescem, elas já não podem admitir seu racismo, enterrando-o, portanto, no subconsciente - mas as ideias negativas continuam lá e continuarão a ser reforçadas por toda a sua vida e a guiar suas ações; elas só já não estão mais conscientes disto.
"De fato," diz o John Powell, diretor do Centro Haas de Diversidade e Inclusão, "a não ser que nos esforcemos intencionalmente para descobrir e nos tornarmos cientes do nosso próprio preconceito, é provável que ele apareça no momento mais inoportuno.... Quando há tensão entre ímpetos conscientes e subconscientes, o subconsciente geralmente prevalece".
De acordo com Dr. Williams, professor de estudos africanos e afro-americanos em Harvard, "a pesquisa mostra que quando as pessoas têm um estereótipo negativo sobre um grupo e encontra alguém deste grupo, eles geralmente tratam aquela pessoa diferente e sinceramente não o percebem. Williams notou que a maioria dos americanos se oporia a ser rotulado de 'racista' ou até 'discriminatório'".
De acordo com o Dr. Gail Christopher, "Séculos de hierarquia racial na América deixou uma marca em nossa sociedade, especialmente acerca de como as pessoas de cor são percebidas pelos brancos". Eu diria que não só pelos brancos, mas pela sociedade em geral. Christopher fala dentro de um contexto americano, mas a história dos negros no Brasil é muito semelhante (sem contar que consumimos a cultura norte-americana diariamente através da TV, internet e impressa). "É um processo embutido na consciência dos americanos e impactado por séculos de preconceito", conclui.
"Negar que ter determinada aparência é um grande fator na sociedade é negar a realidade. O processo de reprogramação da inferioridade negra começa quando nos questionamos por que uma imagem é constantemente escolhida ao invés da outra", diz Burrell.
"Não surpreendentemente, tendemos a ouvir falar mais sobre intolerância e preconceito quando vêm à tona explicitamente... Mas a verdade é que muito do preconceito - talvez a maior parte dele - floresce abaixo do nível do pensamento consciente. Isso significa, alarmantemente, que é inteiramente possível ter fortes crenças que apontam em uma direção enquanto demonstrar comportamentos que apontem em outra."
Malcolm Gladwell desenvolveu um teste para expor preconceitos de cor implícitos. O teste, em inglês, pode ser realizado aqui. 70% das pessoas mostram diversos graus de preferência aos caucasianos; apenas 17% é neutra e 12% apresenta preferência por negros.
Burrell diz que muitos não assumem uma aparência mais caracteristicamente negra (cabelos crespos, tranças, etc.) por medo de não aceitação (isolamento, perda de emprego ou promoção); outros por medo de transmitirem uma mensagem desnecessária de rebelião e identidade negra aos brancos; ainda outros por medo de serem assediados ou ostracizados por causa do cabelo. Contudo, "aceitar a definição do status quo das normas sociais serve para sancionar o condicionamento da superioridade branca. Alterar nossa aparência porque os brancos se sentem ameaçados valida as percepções racistas. Os brancos devem aprender que os negros com afros e tranças podem ser tão profissionais, educados e criativos como aqueles de cabelo curto ou alisado".
Outro ponto importantíssimo é ressaltado por Burrell: "Se você é considerado bonito ou não depende largamente de como você vê a si mesmo. Se você se sente bonito, você agirá como uma pessoa bonita e será considerado assim".
Referências
http://www.theguardian.com/news/oliver-burkeman-s-blog/2013/aug/15/racist-sexist-you-are-more
http://www.psychologytoday.com/blog/between-the-lines/201204/studies-unconscious-bias-racism-not-always-racists
Tudo isso mudou quando compreendi o que o racismo realmente é.
"A praga do racismo é insidiosa, entrando em nossas mentes tão suave, quieta e invisivelmente como micróbios aéreos entram em nossos corpos" —Maya Angelou.
A guerra contínua contra os povos de cor tem sido travada principalmente no campo psicológico. De fato, em uma palestra, a psiquiatra Dra. Francis Cres Welsing disse que todos os pacientes negros que ela já tratou tinham alguma problema relacionado ao racismo. Imagens negativas criam percepções distorcidas na mente das pessoas e isto se reflete em atitudes sutis, mas com sérias implicações.
"Informações erradas sempre mostradas pela mídia, infectando as mentes jovens mais rápido que as bactérias" - Where Is The Love, The Black Eyed Peas.
Imagem: "Todos merecem ser tratados igualitariamente! Não importa se você é negro, amarelo, pardo ou normal!"
Em Brainwashed, Tom Burrell diz: "A imagem positiva branca e a negativa negra afetaram toda a nossa juventude. Quando criança, lembro de chegar em casa após assistir filmes com estrelas como Cary Grant, Clark Gable, Roy Rogers e Johnny 'Tarzan' Weissmuller. Eu ficava em frente ao espelho e tentava várias formas de 'esconder' meus lábios, na esperança de simular a aparência dos meus heróis". Contextualizando historicamente, o autor afirma: "Os negros, convencidos de que éramos realmente grotescos, logo assumiram controle do nosso próprio denegrimento... Por séculos, o estigma associado com a pele muito escura, narizes muito largos e cabelo muito crespo prejudicaram a autoestima negra e a habilidade de criar filhos negros que não se considerassem negros e feios... Quando as barreiras raciais mais formais e legais caíram, estilos de cabelo dados por Deus foram considerados 'não profissionais' o suficiente. Qualquer coisa remotamente próxima ao 'natural' - afros, tranças, dreads - que ofendiam aos brancos no local de trabalho se tornou tabu".
Sobre as imagens negativas na mídia, Burrell diz: "A preponderância dessas imagens e mensagens envia um claro sinal aos negros, especialmente às crianças negras, de que não somos belos o suficiente, não somos bons o suficiente... Quanto mais longes do padrão europeu, mais baixo nos encontramos na escala da beleza".
O racismo atual é largamente um fenômeno implícito. Por isso, eu achava que ele não existia - pois não podia vê-lo, e exemplos visíveis estavam - eu acreditava - fora da minha realidade. As pessoas - de qualquer cor - expostas a essas imagens, desenvolvem preconceitos. Vemos isto claramente com as crianças mais jovens: como ainda não foram constrangidas a inibir suas opiniões racistas, elas as expressam abertamente. À medida em que crescem, elas já não podem admitir seu racismo, enterrando-o, portanto, no subconsciente - mas as ideias negativas continuam lá e continuarão a ser reforçadas por toda a sua vida e a guiar suas ações; elas só já não estão mais conscientes disto.
"De fato," diz o John Powell, diretor do Centro Haas de Diversidade e Inclusão, "a não ser que nos esforcemos intencionalmente para descobrir e nos tornarmos cientes do nosso próprio preconceito, é provável que ele apareça no momento mais inoportuno.... Quando há tensão entre ímpetos conscientes e subconscientes, o subconsciente geralmente prevalece".
De acordo com Dr. Williams, professor de estudos africanos e afro-americanos em Harvard, "a pesquisa mostra que quando as pessoas têm um estereótipo negativo sobre um grupo e encontra alguém deste grupo, eles geralmente tratam aquela pessoa diferente e sinceramente não o percebem. Williams notou que a maioria dos americanos se oporia a ser rotulado de 'racista' ou até 'discriminatório'".
De acordo com o Dr. Gail Christopher, "Séculos de hierarquia racial na América deixou uma marca em nossa sociedade, especialmente acerca de como as pessoas de cor são percebidas pelos brancos". Eu diria que não só pelos brancos, mas pela sociedade em geral. Christopher fala dentro de um contexto americano, mas a história dos negros no Brasil é muito semelhante (sem contar que consumimos a cultura norte-americana diariamente através da TV, internet e impressa). "É um processo embutido na consciência dos americanos e impactado por séculos de preconceito", conclui.
"Negar que ter determinada aparência é um grande fator na sociedade é negar a realidade. O processo de reprogramação da inferioridade negra começa quando nos questionamos por que uma imagem é constantemente escolhida ao invés da outra", diz Burrell.
"Não surpreendentemente, tendemos a ouvir falar mais sobre intolerância e preconceito quando vêm à tona explicitamente... Mas a verdade é que muito do preconceito - talvez a maior parte dele - floresce abaixo do nível do pensamento consciente. Isso significa, alarmantemente, que é inteiramente possível ter fortes crenças que apontam em uma direção enquanto demonstrar comportamentos que apontem em outra."
Malcolm Gladwell desenvolveu um teste para expor preconceitos de cor implícitos. O teste, em inglês, pode ser realizado aqui. 70% das pessoas mostram diversos graus de preferência aos caucasianos; apenas 17% é neutra e 12% apresenta preferência por negros.
Burrell diz que muitos não assumem uma aparência mais caracteristicamente negra (cabelos crespos, tranças, etc.) por medo de não aceitação (isolamento, perda de emprego ou promoção); outros por medo de transmitirem uma mensagem desnecessária de rebelião e identidade negra aos brancos; ainda outros por medo de serem assediados ou ostracizados por causa do cabelo. Contudo, "aceitar a definição do status quo das normas sociais serve para sancionar o condicionamento da superioridade branca. Alterar nossa aparência porque os brancos se sentem ameaçados valida as percepções racistas. Os brancos devem aprender que os negros com afros e tranças podem ser tão profissionais, educados e criativos como aqueles de cabelo curto ou alisado".
Outro ponto importantíssimo é ressaltado por Burrell: "Se você é considerado bonito ou não depende largamente de como você vê a si mesmo. Se você se sente bonito, você agirá como uma pessoa bonita e será considerado assim".
Referências
http://www.theguardian.com/news/oliver-burkeman-s-blog/2013/aug/15/racist-sexist-you-are-more
http://www.psychologytoday.com/blog/between-the-lines/201204/studies-unconscious-bias-racism-not-always-racists